Tenho sede, uma absurda vontade de goles grandes de palavras "malditas" (...)

COMCIÊNCIA – PATRICIA PICCININI. NO RIO DE JANEIRO 2016




























http://culturabancodobrasil.com.br/portal/comciencia-patricia-piccinini-2/

O Corpo




O corpo estava ainda lá, caído próximo à cama. O braço torcido para trás, o tornozelo cortado. Dava para notar que não fora suicídio, não havia corte no pulso, nem frascos de comprimidos pelo chão. Somente um corpo jovem já falecido, um belo defunto para os Federais.   Um cadáver só, em meio à tarde de uma sexta-feira, dia dos namorados. 

A cama estava desarrumada, o lençol um tanto amassado, o travesseiro fora do lugar, o despertador soando, quatro da tarde. Nenhum vizinho xereta, nenhuma janela indiscreta, só uma certeza, a morte. Vinte e três anos mais ou menos ela tinha, enfermeira, muito competente, morava só e um namorado tradicionalmente ciumento. 

A chuva cai lentamente sobre o telhado da casa, o enorme cajueiro balança suas folhas com o vento brando, a água na calçada leva ao bueiro folhagem do dia. O telefone toca fazendo eco no hall e somente uma mensagem agora na secretária: “ligue para mamãe querida”. 

Oito da noite, um belo ramalhete bloqueia a visão do olho mágico da porta da sala, era o tal namorado, debaixo do braço uma caixa de bombons, ele não se lembra do que aconteceu ontem ou não achou um bom álibi.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...