Querido Deus. Hoje é
somente um desabafo. Nada tenho a lhe pedir e não tenho algo planejado. Sou
Ana. Apenas uma pessoa, simples Ana, feito qualquer Maria, tentando abrir o baú
com pequenas chaves que me cortam os dedos. O baú contém todos os segredos para
amenizar a minha dor.
Uma dor imensa e calma, feito o mar em dias atípicos. Há
neste baú sorrisos discretos e facas afiadas. Qual chave mágica me guiará para
sair deste sonho, deste punho fechado na face? Ela está escondida no molho
discreto de pingente antigo? As tentativas são diversas e constantes... E em
cada amanhecer tenho tentado não ser tão eu. Estive tentando chorar, na verdade
e percebi o quão difícil é. Não é como brincar de teatro na frente do espelho,
não é tão fácil quanto parece.
Gostaria de lacrimejar um pouquinho de todos
meus excessos daqui de dentro, expulsar uma parte aqui em mim que machuca, me
que faz perder o ar. Gostaria de gerar um alívio discreto, controlável.
Gostaria de desencadear de dentro de mim, todas as ideias tolas e tudo
incrivelmente sinistro que me persegue. Tenho sido perseguida por esta tristeza
e isto tem me assustado, parece não ter um fim. Sou ainda Ana, matuta tentando
abrir a fechadura dos meus desejos, incertos. Deus, me sinto tão fraca diante
da possibilidade de me libertar.
Por que tanto caminhar e no fim me atirar ao
chão? Joelhos quebrados, rabiscados do asfalto negro. Que Ana estúpida agora
existe em mim? Sinto que engulo lágrimas e embaraço cada vez mais meus atalhos
em minha mente. Jogar as chaves fora? E minhas tentativas, foram em vão?
Pergunto-me, me pergunto... Sufocada na própria agonia, que nem pai ou mãe se
importariam. Estive somente tentando chorar, e ainda aqui virgem, com fome e
frio, tento chorar, como se um choro forte me fizesse acreditar numa outra
história ou me tirar deste medo, deste apuro em abrir meu baú, meu medo.
O
jeito é rasgar de mim este sufocar macabro de uma criança perdida, uma moça mal
dormida. Sinto-me agora um minuto, um momento tão curto, uma memória não definida,
um fio em curto. O adeus acenado, a vida quebrada, a saudade infinita, o amor,
um espírito, um voo rasante... Tudo é tão bem trancado, para uma alma
apodrecida não tomar.
Tem uma razão merecida para a coruja me vigiar, adivinhar
minha morte com o seu piar? Talvez. Querido Deus, estou o baú no canto
novamente, coberto com relva e flor. Cubro de amor e verso. Volto para o escuro
e continuo na tentativa de chorar, desapertar este nó da garganta.
Sou Ana,
gladiadora nesta batalha que é viver, e misteriosamente uma escrava de mim
mesma. E percebo francamente, que no fim das contas, nada basta e também não importa
muito e que o baú com seus mistérios abrirá, somente com o tempo.
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