Tenho sede, uma absurda vontade de goles grandes de palavras "malditas" (...)

Contos que conto...Leandra


Leandra acorda no hospital. Depois de ter sofrido em casa com sua família, de ser considerada louca varrida, se jogou nas águas turbulentas da praia, a praia que ela mais gostava no Rio de Janeiro.

- não se preocupe mocinha, agora está fora de perigo, dizia o doutor. Leandra não quer estar na maca fétida e fria de um hospital, quer voltar ao mar, ao lado turvo e sombrio, no fundo daquela água cheia de vida.

O soro adentrando em sua veia, mesmo assim não fará desistir de voltar ao reino submarino, voltar para um tempo que se passa diferente deste aqui. No seu pensamento o momento do beijo e do sim, do palácio planejado e arrumado para a cerimônia religiosa do príncipe encantado. Alguns dias depois, em sua plena recuperação, Leandra volta para casa e o interrogatório do seu ato cruel começa e para ela foi a gota d’água ou o momento ideal para novamente se atirar, se jogar na água salgada e voltar aos braços de seu príncipe do mar.

Dias e noites seus passos eram de um lado para o outro do quarto, maquinando como sairia de casa, daquela prisão domiciliar. Não agüentava mais sermões estúpidos vindos da boca do pai ou teorias inúteis da Dra. Sandra, a tal psicóloga recomendada pela vizinha do apartamento três, uma bêbada e divorciada. Leandra maquina sua fuga à praia, se loucura ou estupidez, foi o que fez com sucesso.

A areia estava fria com o cair da noite, as ondas vinham e pareciam beijar os seus pés. Seus olhos se fecham decidindo obrigar seu pensamento a imagem de Karo, o príncipe. Atirou-se e nadou, nadou... No reino encantado na profundeza de sua praia, Leandra já estava no “sim” quando lhe fora perguntado se o aceitava Karo como marido. Dançaram a valsa, aproveitaram a festa e depois saíram no cavalo marinho, presente de casamento. E num piscar de seus olhos, não estava mais no encanto da súbita fantasia criada em um instante em que fora deixada só.

- Você ficará bem não se preocupe. Dizia um senhor de barba branca com um fichário na mão. Estou novamente aqui, no mesmo quarto frio que me envolve toda vez que tento ao menos um pouco viver, era o pensamento de Leandra num olhar frenético para aquele médico, este que certificava suas amarras e sedava seu corpo da dor.

O semblante da jovem ficava melhor com aqueles sedativos, ela não teria nenhuma crise por um tempo. Então, ela olhava calmamente para aquele quadro na parede do quarto e sorria como uma criança que acabara de receber um doce.

O quadro é antigo de uma praia do Rio de Janeiro, retratando suas ondas, um ser cujo corpo era de homem até a cintura, e de peixe daí para baixo, que atraía jovens para o fundo do mar onde morriam.

Leandra adormecia olhando para ele.

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