Tenho sede, uma absurda vontade de goles grandes de palavras "malditas" (...)

Por Ronaldo Monte...Pele e osso

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Vinha da praia com Glória, perto da hora do almoço. Cruzamos com três meninas que voltavam da escola. Saltitavam em seus dez, onze anos e tagarelavam. O ouvido apurado recolheu de uma delas: claro que faço regime. Não quero ficar gorda como você. Deixamos o trio se afastar um pouco e nos viramos para conferir. Estavam todas no limite da magreza pré-adolescente.


Já de tarde, Glória volta da rua com um caderno promocional de uma loja de roupas. Fiquei escandalizado com a escassez de carne das modelos. E não é somente a ossada à flor da pele que me impressiona. A maquiagem, o olhar e a postura das moças, ajudadas pela ambientação das fotos, sugerem uma lânguida lassidez que deve exercer uma atração mórbida nas meninas que voltavam da escola.


Terapeutas e psicanalistas andam preocupados com a incidência de casos de anorexia e bulimia em seus consultórios. Tem muita gente boa tentando compreender a epidemia de pele e osso que assola as mulheres em todos os cantos do mundo ocidental.
É certo que o problema não é novo. Quando eu era menino, uma vizinha rechonchuda morreu de tanto tomar vinagre para emagrecer. O que está acontecendo é uma valorização social da esqualidez por parte da mídia, o que leva as adolescentes a aderir ao modelo como a um modismo qualquer, sem medir as conseqüências irremediáveis para a sua saúde.


Ana e Mia (como são carinhosamente chamadas a anorexia e a bulimia pelas suas adictas) põem a descoberto uma grave síndrome da contemporaneidade. Por não ter o que revelar do seu mundo interior, as pacientes exibem o que sustenta o interior do seu corpo. O esqueleto à mostra revela, enfim, o ideal estético da desumanidade. Sem a sujeira das tripas, sem a volúpia das carnes. Só a pele, os ossos e o nada.

 

Imagem obtida em: melancolicosanonimos.blog.pt/622286/

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