Tenho sede, uma absurda vontade de goles grandes de palavras "malditas" (...)

Contos que conto...Malvino

Não era um lugar desconhecido, era meu quarto, meu pequeno e confortável cantinho, tão real eu acordei e fiquei uns minutos na dúvida, se havia acordado mesmo ou adormecido, tirado um cochilo como de costume nos fins de tarde.

O despertador não soou, minha neta Camile não veio pular na cama esta manhã e o Rex não apareceu para lamber-me o rosto, o dia estava começando estranhamente tranquilo.

Não ouvi a fúria da criançada no lado de fora da casa, nem automóveis passavam naquele minuto, havia uma calmaria intensa e até o sol não apontou pela brecha da janela, o dia estava fechado, parecia dia de domingo, quando eu ia visitar minha sogra.

Fui até a cozinha avistar o café da manhã, Eulália minha querida esposa não preparou meu café forte neste dia de hoje, nem minhas torradas com geléia de uva. A casa estava fazia comigo. O cheiro de flores era forte no ar. Voltei ao quarto e nele caminhei de um lado para o outro traquinando o que fazer, resolvi descansar um pouco, ainda era cedo demais, talvez Eulália tivesse ido comprar pães e queijo minas.

E em poucos instantes notei uma breve música soando, vindo da sala. Beethoven, minha canção preferida, levantei-me lentamente e lá estavam todos, aconchegados na sala de estar provando os salgadinhos de Eulália e Camile correndo por entre os convidados, no seu vestido de festa. Rapidamente voltei ao quarto para colocar uma roupa mais apropriada.

Coloquei meu terno preto, a camisa de dentro num tom lilás e os sapatos já estavam engraxados, estupidamente lustrosos. A barba não precisava aparar, estava perfeita. Caminhei até a sala, os convidados estavam na atenção as palavras que Eulália me prestava, dizia aos amigos sobre este dia, aniversário de 68 anos e que certamente eu renascia, provavelmente em algum lugar bonito, numa calmaria que tanto eu almejava. Descia as escadas lentamente, apreciando o palavreado fino na voz de minha esposa, seu vestido era lindo, havia comprado a pouco, ela queria usar em um momento especial deste ano, disse certa vez. Parei no vigésimo degrau, os convidados ainda não perceberam que eu estava ali, eu quis apreciar aquela linda cena, Eulália com o penteado favorito, a homenagem ao tipo de homem que sou e as coisas boas que fiz na vida, todos sabiam que eu estava ali, na espreita, e minha chegada na sala seria o grande final, melhor dizer que seria o início da festa. Sabia que não iriam esquecer do meu dia, meu aniversário este ano era bem esperado, principalmente por Camile, que desde semana passada pedia para não esquecermos do brigadeiro com granulado colorido. E assim estava sendo, a mesa de doces com todos os tipos e cores, os salgados de todas as formas e sabores, bebidas das mais variadas, flores por toda a parte e até uma linda moldura com meu retrato predileto, uma pose de pensador quando eu tinha uns 40 anos de idade. A campainha soou, a grande entrega chegara. Eulália deu uma pausa no discurso e fora receber a encomenda, certamente era um lindo bolo.

Tive de descer uns degraus para ver melhor a caixa que fora entregue, estava em cima de uma linda bancada, era uma urna preta com a lateral em ouro. As taças já estavam postas na mesa e a bebida aberta para o grande brinde. Um pouco da tradição Irlandesa invadia minha casa. Todos sorriam e festejavam. Minhas cinzas prontas, eu caminhava e sumia repentinamente entre eles...




Imagem F. Rodrigues ---> O Cara!
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