Tenho sede, uma absurda vontade de goles grandes de palavras "malditas" (...)

Contos que conto, por Sulla Mino... CIBELE





Sônia era uma mulher que trabalhava muito, quase não tinha tempo livre em sua agenda, seu marido, Célio, também trabalhava demais.

De uns vinte anos para cá, se tornou uma mulher amarga e infeliz consigo mesma, depois de sua filha de seis anos ter desaparecido. Fechou-se, por isso esta súbita dedicação ao trabalho. Culpava-se por ter ido à pracinha em uma tarde de domingo e no meio da confusão de crianças ter perdido a sua. Mas, Cibele já era uma página virada em sua vida.

Seu marido Célio enfrentou depressão, fez terapias e hoje comovido, trabalha em seu ateliê dia e noite, esquecendo-se até de Sônia. Quase não saem, não jantam mais juntos, não vão ao cinema, deixaram planos de lado, não mais são um exemplo de família perfeita. Existe muito amor ainda, Célio desenha sempre o rosto da esposa, acha lindo seus cabelos castanhos, seus olhos verdes, e sempre se pergunta: – por que tenho de viver deste jeito?

Sônia trabalha em uma empresa de propaganda, trata pessoalmente de todos os clientes, chega em casa exausta, toma banho, um lanche qualquer, dá um beijo na testa de Célio e se deita. Célio fica lendo um livro, com a luz do abajur somente, para não incomodar Sônia, prefere viver assim, respeitar o jeito novo da esposa viver, o seu mundo fechado.

Certa noite, revendo uns documentos, Célio achou uma fotografia de Cibele e se pôs a chorar, compulsivamente...

Pela manhã, Sônia saiu para trabalhar e bateu a porta, Célio ouviu e disse a si mesmo: – tchau querida!

Não agüentando mais a situação, Célio resolveu voltar com as investigações sobre o paradeiro de Cibele, dedicou parte do seu tempo para procurá-la, não comentou com Sônia com medo de sua reação, para que não sofresse novamente.

Sônia começou a notar que Célio andava estranho, não mais lia seus livros à noite, não dormia mais na cama ao seu lado, não preparava mais o almoço em dias de domingo, só vivia trancado no escritório.

Começou a imaginar que havia alguma coisa errada, começou a imaginar de repente uma amante, que talvez ele não a amasse mais, que estivesse com algum caso amoroso. Ela então começou a mudar coisas em sua vida, chegar mais cedo em casa, cancelar muitos compromissos, fazer o almoço nos dias de domingo, tomar banhos perfumados e colocar sempre a camisola que Célio mais gostava, estava tentando chamar atenção, trazer de volta seu casamento. Célio por sua vez, sempre exausto e sem tempo, nem percebia as mudanças da esposa e assim passaram-se mais três anos...

Era sábado e Célio recebeu um telefonema, o mais esperado de sua vida.

– Dr. Célio, achamos sua filha, disse a voz do outro lado da linha.

Cibele morava em outro estado, casada com Marcos e tinha uma filha. Célio viajou ao seu encontro...Chegando à casa da filha, uma menina linda abriu a porta e disse: – você é o vovô? Cibele apareceu na porta, olhou nos olhos de Célio, séria, sem nenhuma lágrima no rosto ou sorriso na boca, depois de alguns minutos de clima pasmo, Cibele abriu os braços e disse:

– Você demorou papai.

Combinaram depois de uma longa conversa fazer uma surpresa à Sônia...

Na outra semana pela manhã, Sônia escondida do marido, pegou uma arma no escritório, que Célio guardava desde a época do exército e escondeu em sua bolsa, disposta a seguir Célio e tirar a suposta amante de seu caminho.

Célio saiu de casa mais cedo que o combinado com a filha e sem perceber que Sônia estava seguindo-o, pensou: hoje é o dia da surpresa.

Quis saber se os preparativos estavam em ordem. Cibele estava na casa da prima Yolanda, Marcos e Lene, sua filhinha tinham ido comprar refrigerante e a prima tinha ido pegar o bolo que haviam encomendado. Célio chegou e correu de encontro à filha dando-lhe beijos e abraços...

A companhia tocou e quando Célio abriu, deparou-se com Sônia apontando a arma...

Sônia gritava eufórica: – então é ela?

Célio tentou explicar o que estava acontecendo em vão.

– Não acredito!

– Eu ainda te amo e você faz isso comigo!

Sônia não quis explicação nenhuma e sem perceber direito quem estava realmente à sua frente, apertou o gatilho.

Célio chorou desesperado!

– Não! Não!

– O que você fez Sônia!

– Defendi nosso casamento querido, dizia Sônia com um sorriso pequeno na boca.

– Podemos agora recomeçar!

– Não Sônia! Desesperadamente Célio exclamou, esta que você matou é Cibele.

Chega Marcos, Lene e Yolanda.


* Vídeo Apresentado no Programa "Entre no Clima" no quadro "Contos Fantásticos" por Sulla Mino e Ilustração por Neto Silva.

Um comentário:

Anônimo disse...

Achei fantástico seu poema!!
A.

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