Tenho sede, uma absurda vontade de goles grandes de palavras "malditas" (...)

Por Sulla Mino...Manoel Leite e sua troca

Era 1969, o sol da manhã estonteante já apontava na terra da gente, o dia começava comum, o cansaço abatido no corpo, mais à vontade de seguir era muita, afinal quem não tem sede? Quem não tem fome?Quem não tem pressa?

E seguir nas ruas velhas e gastas já era o plano de todo dia, uma sobrevivência pessoal, um ritual de pesar.

E assim seguia Manoel Leite de Sousa taxiando sua vida...

O destino às vezes nos reserva momentos inesperados, inutilmente não conseguimos mudar certos trechos ou paradoxos, merecemos tempo de existência ou funcionamento de certa coisa, de certa forma, de qualquer jeito.

É necessário se manter, mesmo sem estímulo algum, por amor à vida.

E o seu fusca naquele momento se tornou o tratado, se tornou sua melhor arte, que fosse um jeep, que fosse qualquer outro tipo, nada iria mudar, esta foi à artimanha de um artista, sua embriaguez mais perfeita e correta.

Uma simples bomba de gasolina em praça pública era agora seu taxiar, fora à troca mais extraordinária e admirável, não havia mais carros de praça, somente havia agora a praça...

O desejo de vender combustível era maior do que vaguear em ruas pequenas de uma cidade crescente e oportunidades estreitas perante o sol da manhã, esse prazer era tão imenso em sua vida, era tão farto feito prato de arroz com feijão.

Nada é fácil, mais o sonhar começou assim, de um homem carente, de um homem com poder nas mãos, com garras de coragem.

Pena que o despejo aconteceu, foi essencial para a peleja do caminhar, estar em terreno público era incômodo e um grande risco.

Manoel Leite havia perdido tudo, seu sonho escorria pelo chão feito chuva forte, queimava em seu peito feito sol escaldante em dia de verão, não tinha como apelar a Deus, era o destino traçado...

Ajoelhar-se era a prece perfeita e a melhor oração para um novo ajeitar. Nada de nada e juntar as migalhas do tempo era o pequeno sacrifício.

Nem com isto ou qualquer outro degrau quebrado abateu um espírito inovador, esta alma virtuosa, este ser bravo...

E o recomeço foi constante, dia-a-dia, fez o caráter crescer, fez a fé radiar por todo o corpo e abrangeu o pensamento, afinal não se pode parar no meio da estrada ainda não terminada, não se pode deixar talhos e brechas.

Manoel Leite adquiriu instalações precárias para seu novo passo, um terreno que fora parcelado, seria seu posto, desta vez não seria na praça.

O suor foi árduo, mais em nenhum momento o sono falou mais alto ou o desânimo tomou conta, assim era todo dia, com chuva ou sol.

Afinal quem não precisa viver?

Lágrimas foram muitas, muitas que derramaram junto ao suor do rosto, calos que doíam nas mãos, marcas de um tempo que já não se pode voltar e até para falar engasgam palavras na boca...

As bombas funcionavam como o palpitar do seu coração, enquanto o combustível rolava pela cidade, o sangue circulava em sua veia, forte como nunca, o comércio crescia por fora e Manoel Leite por dentro, tempos e tempos...

O passeio na cidade hoje é sempre bem vindo, caminhar na praça, no chão de um sonhador, de um sorriso largo, lembranças e lembranças, simplesmente de um homem comum...De Neuzo.

Mossoró...

Foi aqui mesmo onde tudo começou e até hoje continua o posto do Manoel Leite, deu origem também a outros negócios, nada mais e nada menos que se ter tudo em ordem, matar a sede e a fome agora sem muita pressa, ter momentos menos cruéis, poder apreciar cada manhã tranqüila, sem ter o sol na cabeça, sem precisar fazer trocas injustas, sem precisar percorrer ruas gastas e sozinho.

A pressa agora é viver...Correr para um novo tempo...

A melhor escolha foi à troca e o melhor de tudo é poder apreciar as lógicas e evidências desta história, de um trabalhador de punho firme, de tão perto poder se orgulhar de seu próprio trabalho em um belo nome, Olinda.

Um comentário:

Anônimo disse...

Conheci a história de Neuzo do Posto Olinda. Bonita. Talvez, se já houvesse naquela época, um verdadeiro empreendedor. Você escreveu bem o seu destino.
Beijos!
Raí

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