Tenho sede, uma absurda vontade de goles grandes de palavras "malditas" (...)

Contos que conto ... Hema e o livro misterioso


Todos os dias ela caminhava na calçada em Tesne, um bairro antigo de Lisboa, com belos arbustos, casas organizadas, de modelos arquitetônicos reconstruídos em 1966 após um terremoto.

Hema, uma viúva que busca em suas leituras uma base para se manter viva e embora as lágrimas façam parte de sua vida, desejava sorrir mais uma vez, uma única vez apenas, para seu corpo acompanhar seu pensamento.

A historiadora procurava no presente, respostas sobre o passado, ela é influenciada exatamente no livro que comprou mês passado. Um exemplar que narra causos, contos estranhos sobre vida e morte, crônicas absurdas e poesias, traduzido para o mundo inteiro e era nele que ela tinha uma preocupação com a verdade, as ideias reveladas no livro tinham para Hema uma razão especial e as palavras escritas no objeto eram valiosas demais e ela conhecia muito bem cada detalhe apresentado nele, e assim, suas noites eram intensas, sua busca incansável, se encontrava diante de sua maior pesquisa e seu maior pesadelo. Mas, numa manhã de um rotineiro passeio, algo mudou o rumo da sua vida...

“Não se passa pela vida sem deixar marcas. Um objeto, uma obra, um desenho, uma canção, uma carta, uma hipótese formulada, são traços da passagem do homem”.

Para Hema o livro é simplesmente Geologia pura, algo a atraía instantaneamente, estava ligada a ele, de alguma forma. A autora do tal livro, S. Min, uma mulher que passou anos tentando publicar seus escritos, uma mulher bela e bastante enigmática. Seu primeiro livro, que é agora mundialmente famoso, de venda extraordinária, narra Contos, que meramente eram incríveis e atraentes aos olhos da pesquisadora.

Hema tinha uns documentos do seu bisavô Gerônimo, uns contos fantásticos, escritos muitos anos atrás, necessariamente 1890, contos de vida e morte, diferente dos contos de Figueiredo Pimentel da mesma época. Havia uma semelhança peculiar entre os escritos antigos do bisavô e o livro de S. Min, extraordinariamente as tantas palavras iguais, o conteúdo o mesmo, qual ligação teriam?

Os textos do bisavô não foram registrados, foram costurados em papéis grossos e antigos, Hema o comprou em um Sebo de um amigo da família, numa viagem que fez com o esposo uns anos atrás, guardou com cuidado numa gaveta em seu quarto e hoje seu amuleto mágico. Por que tamanha fascinação de Hema com os dois exemplares? Um era o futuro do outro?

Um livro pode nos levar em outros caminhos, descobrir que alguém nos ama, mesmo não estando fisicamente conosco, Hema experimentou estar bem acompanhada em Portugal, e pode sorrir. Era uma bela tarde de chuva fina, Hema estava sentada na cadeira na varanda do sobrado que alugou por uma temporada, ela contemplava os pingos da chuva que molhavam suas violetas, com o livro em uma das mãos apreciava a autora S. Min e noutra os registros empoeirados de Gerônimo, que em uma das folhas dizia “Alguém, num dia chuvoso sorrirá contemplando o céu cinza e em suas mãos os segredos serão revelados e a partir deste dia, a história continuará”.

Lisboa parece ser um bom lugar para um recomeço e descobrimos que um livro novo pode revelar marcas antigas. Hema pode acompanhar sempre o bisavô, através destes registros e entre muitos livros publicados pela autora S.Min, que morrera um tempo atrás, pobre e na loucura de uma grande metrópole.

Hema ainda vive em Tesne e é uma famosa historiadora de livros. O livro misterioso é o primeiro da sua prateleira predileta, sua biblioteca fica na rua principal do antigo bairro em Lisboa.

Um livro salvou a sua vida. Naquela manhã de passeio por Tesne, ela tinha planejado se atirar no rio e quando se preparava para subir na borda da imensa ponte que cruza a cidade, o livro caíra da sua bolsa, aberto na página do meio, com letras em negrito que diziam “não é assim que se morre”.

Um comentário:

VELOSO disse...

Lindo conto!

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