Tenho sede, uma absurda vontade de goles grandes de palavras "malditas" (...)

Crônica Por sulla Mino...“Lá em casa também tem Vanda” (Parte I)

Nada melhor que homenagear uma mãe no dia dos pais. “Lá em casa também tem Vanda”, parece propaganda de tinta, não é não. Vanda é uma mulher maravilhosa. Não é o tipo de mulher capa de revista, embora sempre ter sido bela, uma beleza diferente.

Quando nova tinha o cabelo comprido e preto, sempre foi muito magra e recebia cantada dos rapazes sempre que andava pela rua. Sua vida e de seus familiares sempre foi uma incógnita pra todos, sei muito pouco e pouco ela falou. Acho que para nos poupar. Os romances foram poucos, sempre trabalhou capinando, sofreu bastante. Um dia resolveu fugir e ir morar com o pai dela, ele morava no Rio de Janeiro, já estava separado da sua mãe um tempo. Teve de mentir idade para viajar, foi ajudada pelo irmão, cavalgou um tirão e depois de muitos recursos chegou a capital.

O pai já estava casado e a esposa dele se tornou a “mainha” dela. Vanda já conhecia o homem da sua vida, já namoravam, se encontraram no Rio e casaram. Anos mais tarde foi apresentada as suas filhas a verdadeira avó, Joana, ela mora no interior da Paraíba, um encanto de pessoa. Primos, primas, tias. Foi um encontro rápido, com uma das filhas, sem mágica. A avó não sabia quem era a neta e ainda achou que a mãe da menina era a sogra, muito cômico, D. Vanda exclamava no ouvido da mãe: - Mãe, eu sou a mãe dela, eu que sou a sua filha. A neta e sogra morriam de rir do episódio, a avozinha achava que a neta parecida com a madame bonita e não com a “verdadeira” mãe. Vanda ficou anos sem ter notícias da família e quando teve ficou muito feliz e desde então, todo ano ela faz uma viagem para visitá-los. Ela ajuda bastante também.

Vanda é muito pobre e tem o coração de ouro. Ela chega ser boba de tão boa que é. Dona Vanda é daquelas que tira a roupa do corpo para doar se for necessário, tem um coração que não cabe no peito de tão grande e acolhedor. Passou apertos na vida e não deseja o mesmo para ninguém. É um símbolo de caridade em pessoa. Nunca negou um copo d’água ou um prato de comida a quem quer que fosse. Acorda muito cedo, sua labuta é grande, na verdade posso dizer que ela não dorme, cochila. Já passou momentos difíceis, nos dias de hoje inclusive, já tomou muita medicação contra a depressão e ansiedade. Muitos problemas rodam em sua volta, com o marido que quer ser jovem a vida inteira, com as filhas que dão trabalho, os netos...

Ela só sabe chorar, acho que chora 97% de sua vida, diariamente, chora quando assiste novela, quando a vizinha está doente, quando um sabonete não tem o perfume que gosta, uma melancolia desmedida. Vanda teve várias chances de seguir a vida de uma outra maneira, nunca foi, nunca deixou as filhas, nem no pior momento, naquele em que ninguém ficaria. Já não quero entender mais nada, acho que ninguém quer, cada um tem uma maneira de ver a vida passar. Suas ações são sempre para o bem, mesmo não tendo estudo, não sendo uma mãe experiente, ela é um exemplo de bondade.

Sei que Deus reserva um lugar especial pra ela, é melhor ela gritar um palavrão bem alto, para poder não passar direto e entrar em órbita. E a sua mãe leitor, como é? Também tem uma Vanda na sua casa?

Nunca ensinou nada em especial, não orientou as filhas para as coisas da vida, não foi preciso, só amar foi o suficiente. Quando as filhas eram pequenas, ela fazia de tudo para não passarem fome, podiam não ter o melhor, mais tinham algo para comer, ela fazia as roupas, costurava desde as calcinhas aos vestidos, sempre cuidou do cabelo das meninas, parecia brincar com bonecas.

As meninas aprenderam fazer “Maria Chiquinha” nas bonecas, iguais ao que ela fazia, as bonecas eram de sabugo de milho, e a preferida se chamava Su. As filhas tratam a mãe como se ela fosse criança, quando ela foi levada ao shopping pela primeira vez e ela teve medo de ir à escada rolante, foi um mico danado, as outras irmãs não quiseram ir, apenas uma foi à classificada, a gargalhada rola quando lembram do episódio.

Continua...

* Imagem: Sulla Mino (Arquivo Pessoal)



"Lá em casa também tem Vanda" --> Parte II


E quando as filhas saíam com ela, não podiam perdê-la de vista, igual criança mesmo, ela se perde e fica doidinha atrás do responsável.

Ela não tem conhecimento do mundo que vive, não vê maldade em nada e em ninguém, é humilde demais. Muito prestativa isso sim ela é.

Trabalha para um padre tem muitos anos, todo sábado vai ao escritório dele tirar o pó dos milhões de livros, limpa a geladeira, nada muito, ele paga pouquíssimo, quando paga, acredita que o padre já deu vários calotes? É verdade, até um padre é vigarista nesta vida. Ela vai todo sábado, às vezes nas terças, e quando ele diz que não tem dinheiro, ela pede para deixar pra lá, que Deus dá em dobro.

Ela tem pena por ele ser uma pessoa de idade. Sonha com a felicidade das filhas, quer sempre que estejam bem, isso conforta seu coração e ela acaba ficando superbem junto com todas elas. Teve um tempo que ela começou a catar latinhas na rua, isto mesmo, não podia avistar uma que pegava e colocava na bolsa, necessidade? Não, não mesmo, vendia para ajudar outras pessoas, nunca ficou com nenhum centavo que fosse, todo mundo morria de vergonha desta proeza dela. Não que catar coisas para vender seja vergonha, não é bem isso, mas ver uma mãe fazendo isto sem precisar é o fim da picada, até comprava refrigerante para poder utilizar a bendita latinha, realmente é a “treva”. Fora às costuras, os vizinhos dão a roupa para ela fazer ou dar um arremate e ela fica com vergonha de cobrar, diz sempre “a pessoa é mais pobre que eu”, e acaba não cobrando, sempre foi assim, hoje eu escrevendo sobre estes assuntos, se tornam engraçados, será que são realmente?

Eu precisaria de um espaço maior, um livro, pelo menos, para decifrar ou contar a história da Vanda, estas simples linhas, por mais que eu tente não conseguiria resumir sua vida e obra, esta ilustre personagem tem muito o que falar. Só um “tantinho” deixo aqui.

Vanda já sofreu demais por todas as filhas, não crucifico estas doideiras. Quando ela foi ter a filha caçula, chovia muito, ela foi com a vizinha, andaram uma rua comprida até o ponto de ônibus, embaixo de uma chuva torrencial para chegar à maternidade. Uma mãe deve passar por isto? Dizem que é o melhor momento de uma mulher...Assim?

Sofreu nas idas e vindas do hospital com a outra filha, os médicos nunca disseram o que ela teve, a menina só ficava internada, com aparelhos na cabeça, louca ela não é, tem o juízo melhor que o meu. Sem contar das vezes que deixou de comer para que o prato de comida desse para todas comerem. Isto não tem preço.

Em todas as datas comemorativas, devemos nos lembrar da mãe, porque só ela sabe fazer todos os papéis, sempre será única e sem substituição.

A Vanda lá de casa pode não ser instruída inteligentemente, pode não ter feito o ginásio ou faculdade, pode até não ter méritos de alguns cursos ou ser expert em psicologia infantil, mas ela tem o maior e melhor grau que esta vida pode proporcionar, de ser simplesmente minha mãe.

FIM

Um comentário:

Marinalda disse...

Muito lindo Sula, a vida da Wanda da um livro sim. Acho que vc deveria pensar nisso. Sua mãe é especial.

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