Tenho sede, uma absurda vontade de goles grandes de palavras "malditas" (...)

Meu nascer



Minha história não tem meio, nem palavras bonitas. Minha história tem rabiscos traçados com tinta fresca. Sou pura. Dor no corpo quebrado e calafrio no medroso. Carrego sangue fresco, é só o que importa. Todos os dias fico ali, na beira daquele caminho abandonado pelas máquinas, sentindo a chuva cair sobre os ombros. E fico ali pálida, aguardando a morte fazer contato. 

Sou apenas mais uma virgem tentando alimentar meu outro lado, meu lobo faminto. O medo pode dominar por instantes, tentando abafar meu suplício, mais não é capaz de arrancar meus caninos maduros. Sou santa. Feliz. Embora não reze um Pai Nosso diário ou me ajoelhe no chão. Não, esta não sou eu. 

O gosto da minha saudade ainda escorre pelo canto da boca. Um gosto que já não suporto mais. Prefiro tecer este fio que me liga ao outro lado, lá tem madrugadas claras e vinho bom. Estou presa no caminho de ramos transparentes, e de gritos baixos nos passos, em cada passo que busco cair no abismo. Minha história não é bonita, mas hoje estou charcada de um sentimento estranho chamado amor. 

Um amor que me toma inteira e mesmo cheia de raiva, estou certa que poderei correr e sorrir e querer pular daqui. Minha alma me rasga os braços e assim sinto que posso abraçar a corrente para atravessar o poço do medo, posso sair daqui. E já não importa quem sou agora e sim no que poderei ser e no que poderei me transformar. Se triste ou sozinha, se tola ou carente. Posso envelhecer repentinamente ou dançar no compasso sinistro entre vulcões. Posso sair inteira, virgem e feliz. 

Me despeço da morte agora. E nesta esquina que eu mesma construí, poderei recomeçar. O que deixarei aqui nunca poderei ter novamente, apenas carrego doces lembranças, um soluçar de ideias. As asas crescem cortante nas costas. Dou adeus ao escuro daqui, deixando minha memória inteira, voo de encontro à mãe que me aguarda do outro lado. 

Lá é dia agora e num breve choro sufocante na tentativa de respirar, respiro a vida. Minha história sem começo nem meio, apenas este fim. 

E sinto que serei realmente uma bela fada.


Não quero saber


Não,

não quero saber muito de onde vim,

sei que era bom, disto muito lembro.

Os campos eram vastos,

as flores bem perfumadas e

lembro de um sabor doce na boca.

Ah! O sol da manhã não era tão baixo em

minha cabeça e

as noites eram preenchidas

com lindas estrelas brilhantes e

a lua, ela sempre aparecia redondamente linda,

realmente linda.

Não,

não quero perceber que já vou sair daqui,

que lentamente vou seguir no caminho que não é meu.

Apenas quero vagar...

Chegar num lugar de chão quente e céu azul,

e perceber que ainda me observam.

Quero poder correr e me deliciar numa

noite nublada.


Não, não quero saber quem vai me devorar desta vez.



O quadro


Os traços estão mal vistos na parede,
no fundo daquela sala.
O vermelho indica o tempo?
O amarelo a ilusão?
O verde no canto, 
o que diz?
Traços mortos,
tristonhos e exagerados.
Sabedoria humana...
O quadro está muito bem pintado.


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...