O caso das 90 maçãs. A ciência e a caridade. -- O Homem que Calculava
(Capítulo
XVII)
Certa vez um mercador, chamado Aziz
Nemã, empunhando um papel cheio de números e contas, veio queixar-se de um
sócio a quem tratava de“ladrão”, Beremiz procurou acalmar o ânimo do homem e
chamá-lo ao caminho da mansidão.
E, a seguir, examinou com paciência
as contas, e descobriu nelas vários enganos que desvirtuavam os resultados.
Aziz certificou-se de que havia sido injusto para com o sócio, e tão encantado
ficou com a maneira inteligente e conciliadora de Beremiz, que o convidou,
naquela noite, a um passeio pela cidade.
Foram até um Café. Um famoso
contador de histórias, no meio da sala, prendia a atenção de um grupo de
ouvintes. Falava com voz alta e vagarosa, acompanhado por dois tocadores de
tambor. Narrava, uma história de amor. Os ouvintes não lhe perdiam uma só
palavra.
Árabes, armênios, egípcios, persas,
refletiam na expressão do rosto todas as palavras do orador. Naquele momento,
com a alma toda nos olhos, deixavam ver, claramente, a ingenuidade e a frescura
de sentimentos que ocultavam sob a aparência de uma dureza selvagem.
O mercador Aziz Nemã,
que parecia muito popular naquela barulhenta sociedade, foi ao centro da roda e
comunicou ao cheique, que estava acompanhado com o célebre Beremiz Samir. Centenas
de olhos convergiam para Beremiz, cuja presença era uma honra para os
freqüentadores do café. Em homenagem foi narrada uma história que envolvia um
problema cuja solução, até agora, não foi descoberta.
Vivia outrora, em Damasco, um bom e
esforçado camponês que tinha três filhas, eram dotadas de alta inteligência. O
cádi, invejoso e implicante, irritou-se ao ouvir o rústico elogiar o talento das
jovens, resolveu oferecer o caso das 90 maçãs.
90 maçãs que deveriam vender no
mercado. Fátima, que é a mais velha, levara 50. Cunda levara 30 e Siha, a
caçula, será encarregada de vender as 10 restantes. Se Fátima vendesse as maçãs
a 7 por 1 dinar, as outras deverão vender, também, pelo mesmo preço, isto é, a
7 por 1 dinar; se Fátima fizer a venda das maçãs a 3 dinares cada uma, será
esse o preço pelo qual Cunda e Siha deverão vender as que levam. O negócio deve
fazer-se de sorte que as três apurem, com a venda das respectivas maçãs, a
mesma quantia.
Aquele problema, assim posto,
afigurava-se absurdo e disparatado. Como resolvê-lo? As maçãs, segundo a
condição imposta pelo cádi, deviam ser vendidas pelo mesmo preço. Foram consultar,
sobre o complicado problema, um imã, que morava na vizinhança.
O imã, depois de encher várias
folhas de números, fórmulas e equações, nada esclarecia o intrincado enigma das
90 maçãs.
Cabe agora ao nosso calculista
explicar como foi resolvido o problema. Beremiz encaminhou-se para o centro do
círculo formado pelos curiosos ouvintes e explicou calmamente todo o seu
cálculo para o problema E seguiu explicando todos os fatores da incrível matemática.
O cheique El-medah ficou encantado
com a solução apresentada por ele. A ciência é uma grande montanha de açúcar;
dessa montanha só conseguimos retirar insignificantes pedacinhos.
A única Ciência que deve ter valor
para os homens é a ciência de Deus, que é a caridade. O calculista lembrou da
poesia admirável que ouvira, pela voz de Telassim, nos jardins do cheique
Iezid, quando os pássaros foram postos em liberdade:
“Falasse eu a língua dos homens e
dos anjos,
e não tivesse caridade,
seria como o metal que soa,
ou como o sino que tine.
Nada seria!”
Por volta da meia-noite, quando deixaram
o Café Bazarique, vários homens, por consideração, ofereceram lanternas, pois noite
ia escura e as ruas estavam esburacadas e desertas.
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